segunda-feira, 23 de abril de 2012

“Mães de maio” denunciam ditadura continuada"

SÁBADO, 21 DE ABRIL DE 2012

Crimes de uma falsa democracia




Mães de maio” denunciam ditadura continuada



Quando há policiais envolvidos na jogada, as coisas se tornam mais lentas e difíceis, para não dizer impossíveis”



José Neto
de São Paulo (SP)


Por que não instaurar imediatamente uma Comissão Nacional da Verdade e Justiça sobre
os crimes da democracia?” Esse é o questionamento de Débora Maria da Silva, coordenadora do Movimento Mães de Maio e mãe de Edson Rogério Silva dos Santos, assassinado em maio de 2006 após uma revista policial.

Débora se refere à resposta aos “ataques do PCC – Primeiro Comando da Capital”, em que centenas de mães e milhares de familiares perderam seus entes executados por grupos paramilitares de extermínio ligados à Polícia Militar paulista. Segundo o levantamento apurado por instituições nacionais e internacionais, foram assassinadas 564 pessoas no período de 12 a 21 de maio de 2006. Destes, ao menos 505 eram civis. A maioria desse contingente era formada por jovens negros e pobres, entre 15 a 25 anos.

Entre as provas da participação de agentes do Estado nos assassinatos, de acordo com pesquisa científica elaborada pela Justiça Global junto à Clínica de Direitos Humanos da Universidade de Harvard, publicada no ano passado, 12 dentre os 14 homicídios dos “Crimes de maio” apurados (mais de 85% dos casos), foram cometidos por possíveis grupos de extermínio compostos por policiais.

Não por acaso, a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) elucidou parcialmente a autoria de apenas 13% (4 de 34) de homicídios com suspeita de participação de policiais. O DHPP esclarecia mais de 90% das chacinas sob sua competência antes de 2006. Com relação a “maio de 2006” o departamento esclareceu parcialmente somente uma de quatro chacinas (25%) em que havia suspeitas de envolvimento de policiais membros de grupos de extermínio.

Por isso que, de acordo com o Movimento Mães de Maio, a “democracia” que vivemos hoje, é apenas o resultado de uma transição falsificada, pois ainda se configura como uma verdadeira ditadura continuada a partir de uma “anistia” negociada por cima e que, na prática, ela só serviu para “perdoar” os militares que torturaram e assassinaram em nome de um Estado de ocasião.

No final de 2010, ainda sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o então Ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, encaminhou a criação de uma Comissão Especial “Crimes de Maio” dentro do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), para se reavaliar a mudança de competência jurídica (a federalização) das investigações dos crimes. Uma Comissão que, na avaliação do movimento, não gerou nenhum resultado concreto até agora.

Direito à verdade

Os oito dias dos crimes de maio de 2006, ocorridos no estado de São Paulo, produziram mais mortes e desaparecimentos do que ao longo dos mais de 20 anos de Ditadura Civil Militar. É o que o Mães de Maio denominam de “democradura” ou “democracia das chacinas”.

Esse foi um período em que ocorreu massivamente execuções sumárias cometidas contra jovens em posição de indefesa, com trajetórias balísticas de cima para baixo, à curta distância, com centenas de tiros na nuca, em partes vitais e perfurações nas palmas das mãos estendidas para proteção; palmas na maioria das vezes sem qualquer vestígio de pólvora”, avalia a coordenadora do movimento, Débora Maria da Silva.

No dia 15 de outubro de 2009, a Anistia Internacional enviou uma nota a todas as instâncias do Estado Brasileiro, na qual repudiou o absurdo arquivamento da imensa maioria dos casos que se multiplicaram nas periferias de São Paulo a partir de maio de 2006, ressaltando estar atenta em relação à impunidade que vigora até o momento e, atenta também, ao futuro das investigações e providências.

Para o movimento, os casos só não são devidamente investigados, julgados e punidos, porque muito dificilmente a polícia, o Judiciário e o Executivo de São Paulo levarão adiante uma séria investigação sobre um massacre cometido por eles próprios, como não tem feito ao longo destes quase 6 anos. Apesar dos inúmeros indícios, não há sequer um relatório da parte do governo estadual. “Quando há policiais envolvidos na jogada, as coisas se tornam mais lentas e difíceis, pra não dizer impossíveis”, afirma Débora.

Embora totalmente solidárias à luta pelo direito à verdade e à justiça referente aos crimes da ditadura, as Mães de Maio exigem isonomia de tratamento da parte de todos os militantes sociais. Segundo a coordenadora do Movimento Mães de Maio,“no caso dos crimes de estado na democracia não há qualquer Lei de Anistia (1979) que os assassinos possam falsificar e utilizar como blindagem, como seguem fazendo em relação à ditadura”.

Queremos a responsabilização do Estado como um todo; as devidas e dignas reparações a todas as famílias de vítimas; além do julgamento, nos termos da Lei atual e a devida punição dos responsáveis diretos e indiretos pelo massacre”, defende a coordenadora da movimento.

Manifesto

Débora complementa ainda que, além do direito à memória, à verdade e à justiça, a luta é para que efetivamente se preserve novas vidas. “Aqui entra o papel abominável que seguem cumprindo os registros de ‘resistência seguida de morte’, ‘autos de resistência’ e afins que, na prática, continuam dando uma verdadeira licença para matar a agentes policiais e paramilitares no país afora.”

O Movimento lançou um novo manifesto na Internet pedindo a federalização das investigações sobre os Crimes de Maio de 2006, e o fim dos registros de “resistência seguida de morte” em todo o país. O objetivo é exigir do poder executivo federal o desarquivamento dos crimes de 2006 e, a partir do caso emblemático de Edson Rogério, a abolição definitiva das demarcações “resistência seguida de morte” (em SP), “auto de resistência (RJ)”, “resistência à prisão (MG)”, e qualquer expressão afim dos boletins de ocorrência e das causas mortis de jovens assassinados por agentes do estado em todo país.

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